15 de dezembro de 2010

ÚLTIMA SEMANA: A Milímetros de Mercúrio (15/12 e 16/12)




Pois bem, A MILÍMETROS DE MERCÚRIO estreou na quarta-feira. Na verdade, como aqui é um espaço íntimo, posso confessar que a estréia foi quase um ensaio geral. Não é o que eu gosto, nem o que costumo fazer, gosto de estrear bem estreado, tudo no seu lugar para dar tempo de evoluir de um ponto além. Mas, o ideal é uma meta quase nunca alcançada. Está aí, já há um bom tempo, o platonismo a nos ensinar que as formas perfeitas são experiências antes do nascimento. Depois, na vida, temos que lidar com as imperfeições. O psicanalista W.R.Bion segue esta mesma linha quando sustenta que a verdade é inalcançável e dela só podemos tomar contato com ela através da imaginação. Assim, suportando o limite impresso por algo que nos sobrepõe, posso dizer que a estréia abriu um caminho em direção a algo que nos espera. No segundo dia, um pouco menos histérico, o clima emocional foi encontrando o lugar que lhe era devido. A peça tem um potencial incrível. Os atores estão num equilíbrio incrível. Não se poderia destacar ninguém o que é o mesmo que dizer que o destaque são todos. A narrativa elíptica, se esgueirando do realismo, oferece espaço para a imaginação. As personagens se defrontam tragicamente com algo que as transcende e as supera. A coisa. Algo que ocorre que faz das personagens o contrário daquilo que elas sonharam para si. A coisa transforma as personagens em coisas. Desobjetializa, dessensibiliza, concreta a emoção e nos torna algo diferente do humano, do sonho humano, do sonho. As interpretações estão num nível impressionante. A cenografia do grupo é fantástica e a luz é condidata a prêmio, pois se destaca do senso comum.
Mas um ponto quero destacar, que talvez nem seja o mais importante, frente a exuberância das interpretações, mas como é recorrente no meu trabalho, me sinto na obrigação de falar. É a trilha. Não tem a vivacidade das trilhas ao vivo, mas tem um aspecto que merece destaque. O processo. Desde o início dos ensaios, a trilha faz parte das improvisações. Com meu notebook e milhares de músicas, vou testando ao longo do ano de processo criativo com o a grupo. Cada momento passa a se integrar e determinar a intepretação. A interpretação do ator dialoga com a trilha. A música não é para sublinhar, não vai sempre na mesma direção, a trilha é tensão. Como se o ator estive contracenando com a trilha. Emocionalmente. O resultado é que a rede sonora que conduz a cena entra em sintonia tensa com o ator desde o início. Daí que resulta, não numa trilha, não num pano de fundo para a ação dramática, mas um diálogo com a emoção do ator, a narrativa e o público. Acho que isso é um ponto tão essencial quanto o texto construido a partir de sonhos postados na internet por sonhadores anônimos. Sonhos estes que tivemos o cuidado de desenvolver, criar links de modo a imaginar o sonhador, uma vez que este é revelado pelo sonho.
A iluminação do Gabriel Lagoas trás novidades, assimetrias e diversidades. Poderia falar também da ambientação cênica proposta pelo grupo que favorece o clima onírico, remete a impressões sensoriais sem palavras como se estivemos frente a narrativas sem história. E o mais legal é que tudo se integra com uma harmonia sensível.
Concluindo, é uma virada nos meus trabalhos. O texto tem um caráter poético e a narrativa é mais emocional que que realista. E me sinto muito bem de enveredar por outras estéticas, já que a aventura teatral é como a vida, diversa e surpreendente e nossa mente confirma o que Shakespeare já afirmara de que somos feitos da mesma matéria que é feita os sonhos.

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