11 de janeiro de 2011

Crítica: As ambiguidades de Mercúrio

fonte: Jornal do Comércio (coluna do Antônio Hohlfeldt)
Notícia da edição impressa de 07/01/2011 do Jornal do Comércio

Estamos começando a encontrar uma nova geração de realizadores e intérpretes de nosso teatro, que sucedem diretamente àquela que se encontra em plena produção neste momento. Há poucas semanas, nesta mesma coluna, registrei a performance de Fredericco Restori, filho do diretor Marcelo Restori, em Hybris. Agora, destaco o trabalho de Catharina Cecato Conte, filha da atriz Patsi Cecato e do diretor Júlio Conte, que assina a assistência de direção de A milímetros de Mercúrio, que Júlio Conte escreveu e dirige para o grupo Cômica Cultural.

Mercúrio, como se sabe, pode ser o menor planeta do sistema solar e o mais próximo do sol; pode ser um elemento químico altamente nocivo à saúde, mas excelente condutor de eletricidade e pode ser, enfim, o deus Hermes grego (Mercúrio para os romanos) que tanto significa o comércio quanto a comunicação. Ou seja, nos dois últimos significados, ele se apresenta com extrema ambiguidade, pois tanto pode ser um elemento positivo quanto negativo. Júlio Conte optou por explorar esta ambiguidade: de um lado, a ânsia pela comunicação (e sua impossibilidade), a partir da diferente situação dos personagens que surgem em cena. Ao mesmo tempo, uma relação de causa-efeito, em que esta incomunicabilidade se apresenta por culpa da reificação das relações humanas, pois todas elas estão marcadas por interesses, são instrumentais, isto é, quando ocorrem, de maneira falsificada, geram mais valia, resultado tipicamente produzido pelas atividades comerciais.

Os personagens da nova peça teatral de Júlio Conte são artistas frustrados, impossibilitados de exercer sua verdadeira arte - e assim alcançar a verdadeira comunicação - por se verem restritos a atividades que lhes garantam a sobrevivência cotidiana, mercantilizando a oferta de serviços e produtos. Aliás, um belo achado do dramaturgo colocar os personagens numa tarefa de atendimento de pós-venda de “sonhos”, adquiridos por outros personagens apenas mencionados. O diálogo é extremamente entrecortado, como se as ideias não se completassem e os personagens fizessem enorme esforço em suas expressões.

Um jovem elenco formado por Alessandro Peres, Gisela Sparremberger, Guega Peixoto, Fabrizio Gorziza, Duda Paiva, Vanessa Cassali e Jordan Martini corporifica os sofridos, polêmicos e frustrados personagens, que perambulam pela cena, asfixiados, buscando saída para os diferentes impasses em que se encontram.

A direção de Júlio Conte é criativa, leve e dinâmica. O espaço cênico, desenvolvido pelo próprio grupo, está ocupado por pretensas paredes transparentes, equipamentos de respiração artificial, bolas gigantes de plástico e materiais variados que caracterizam a sociedade de consumo em que (sobre)vivemos. Os figurinos, também idealizados pelo grupo, começam com os indefectíveis trajes de executivos, para se ampliarem em roupas variadas, coloridas e de materiais múltiplos. A trilha sonora pesquisada, pelo próprio diretor, alcança alguns excelentes momentos que contribuem diretamente para o clima dramático do espetáculo, como no final do espetáculo, talvez um de seus melhores momentos, em que o trabalho quase se aproxima de um grand finale épico, repentinamente frustrado.

No resultado final, pode-se dizer que Júlio Conte acertou em cheio, não apenas em relação ao diagnóstico e à análise que desenvolve como também na maneira pela qual realiza sua tarefa. O espetáculo, de pouco de mais de uma hora de duração, abre-se em uma espécie de ritual de apresentação ambígua de cada personagem: de um lado, o que gostaria de ser; de outro, o que faz, de fato, no cotidiano. Primeira ambiguidade mercurial que marcará todo o trabalho. O que parece e o que é, de fato, a essência e a aparência. Trata-se de um bom momento de Júlio Conte, tanto enquanto dramaturgo quanto diretor, e que se espera tenha maiores oportunidades de ser visto, conhecido e apreciado.

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